Por Hermano Adolfo Gottschall Souto Neto
Oficializada em 2013, a lei anticorrupção – Lei 12.846/13 –, de abrangência nacional e obrigatória observância pela União, Estados, Municípios, representa um avanço e uma resposta do Poder Público aos anseios da sociedade brasileira, farta da corrupção sistêmica que contaminou as instituições públicas e privadas do país. De fato, a lei anticorrupção não é pioneira no combate à corrupção no Brasil, cuja prática já era rechaçada por variados diplomas legal, a exemplo da Lei de Improbidade Administrativa e a própria Constituição Federal. Entretanto, não resta dúvida de que a lei, por si, é um marco(pontapé) inicial e inovador no repúdio aos desmandos praticados por agentes públicos e particulares, leiam-se, pessoas jurídicas e físicas.
Em tempos de “muita água” – Lava Jato – a mencionada lei ganha enorme projeção no cenário político e empresarial, revelando-se um instrumento indispensável na criminalização dos corruptos e corruptores, notadamente este últimos. Isso porque, se antes do advento dessa lei a responsabilidade penal se limitava a quem participasse do ato ilícito (pessoa física), a partir de agora as pessoas jurídicas (grandes corporações e conglomerados) envolvidas em fraudes serão alvos de processos civis e administrativos e podem pagar multa que varia de 0,1% a 20% do faturamento anual bruto (quando não for possível calcular essa receita, o valor pode ser estipulado por um juiz e variar entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões)-um baque que pode levar a nocaute. Até então, as companhias envolvidas em ações ilícitas poderiam se valer do argumento de que o ato foi praticado isoladamente por funcionários seus ou servidores públicos, para eximir-se da responsabilidade. Entretanto, o panorama mudou, e essa tese de defesa não encontra mais respaldo legal para livrá-las de severas punições.
Pela nova lei, pouco importa se a empresa foi ou não responsável direta pelo ato corrupto (dolo) ou se adotou medidas necessárias para evitar que o ato fosse praticado (culpa): a pessoa jurídica será responsabilizada.Nesse sentido, seus dispositivos veiculam regras mais rígidas do que as existentes nas legislações anteriores, tendo ampliado de maneira significativa a oferta de instrumentos à disposição dos órgãos responsáveis por aplicá-la, a exemplo de multas pesadas, reparação dos cofres públicos e até mesmo a interdição ou o fechamento da pessoa jurídica.
Como reflexo direto, difundiu-se entre as empresas brasileiras uma prática até então incomum por aqui, porém largamente exercida nos países desenvolvidos desde a década de 80: a criação dos programas de Compliance. Compliance significa, em termos resumidos, conformidade às leis e regulamentos através de mecanismos e procedimentos internos de gestão corporativa, que buscam a integridade, auditoria e o incentivo à denúncia de irregularidades, com a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta dentro das empresas. Com base na lei anticorrupção as companhias que conseguirem demonstrar a existência de políticas de prevenção à corrupção contarão com a benevolência da Justiça, podendo atenuar o grau de punições mediante a celebração de acordos de leniência( ex. delação premiada). Em termos práticos, um programa de Compliance efetivo e apto a reduzir eventuais sanções deve apresentar uma estrutura definida, código de ética e conduta, treinamentos dos integrantes, rigorosa fiscalização, independência dos agentes, canal de denúncias e punições em caso de descumprimento.
Logicamente que a lei anticorrupção, como qualquer outra, não possui o poder de estancar da noite para o dia a sangria da corrupção brasileira, porém, passa longe de ser uma medida meramente simbólica, e com toda certeza mudará os paradigmas de combate à corrupção no Brasil. Ela veio para ficar.
Hermano Adolfo Gottschall Souto Neto é advogado.